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Ontem estive naquilo que se convencionou chamar país real. Fui convidado a visitar uma fundação, que é também uma IPSS, e que tem várias características diferentes das que estamos habituados a ver.
Desde logo, o número invulgar de empregos concedidos a deficientes. Do contabilista chefe, ao responsável pelo pessoal, pelo menos uma psicóloga e demais técnicos superiores, até a todo o tipo de funcionários mais modestos. Depois, pela diversidade enorme do trabalho daquela associação: lares de idosos, creches, apoio a mães solteiras, tratamentos de deficiência profunda, crianças abandonadas - digamos que todo o rosário de horrores pessoais se concentra naquela Fundação, com sede em Miranda do Corvo e que aliás se reparte por vários edifícios e mais do que uma povoação.
Ainda possui um parque biológico com fauna e flora nacional, onde se pode ver desde o urso pardo ibérico e a raposa, ao porco bísaro e à vaca barrosã.
É um mundo.
Em pequenas oficinas, sob o olhar de mestres, pessoas com deficiências ligeiras trabalham o vime, fazem tapetes, olaria, objetos de vidro. Também há um sapateiro, daqueles dos antigos.
Apesar do cortejo de cadeiras de rodas, dos olhares vazios ou estranhamente penetrantes de deficientes mentais, de trejeitos de doentes com paralisia cerebral, é um local alegre. Vive, claro, também com apoio do Estado, mas os salários ali pagos aos trabalhadores são miseráveis. Vão do salário mínimo a duas ou duas vezes e meia esse salário para licenciados. Uma assistente social disse-me ganhar cerca de 1000 euros, tendo a responsabilidade por um lar de idosos (aliás impecável). Mas não o fez em tom de queixa, pelo contrário, disse-o como quem tem uma missão importante a realizar, pela qual é recompensada na medida das possibilidades.
Talvez por ser este o espírito, quase não se falou da crise durante todo o dia (puxei a conversa de Gaspar e das folhas de Excel e só obtive uma gargalhada do contabilista, nada mais). Apesar de o presidente da Fundação ter sido deputado e presidente de Câmara, atividades políticas que abandonou há quase 25 anos (sendo do PSD teve uma pega com Cavaco por defender o aborto e impôs-se a si mesmo o limite de mandatos na autarquia), o que interessa agora a Jaime Ramos (é o seu nome) - o que tem interessado este médico, desde 1990 -, é o propósito daquela obra, da única a que não colocou limites no seu mandato.
Visitar este país tão diferente daquele de que nos habituamos a falar - o país dos políticos, dos jornalistas, dos professores, dos economistas, dos médicos, dos advogados, das corporações - podem crer que faz bem à alma. Não porque se veja ali alguma solução económica mágica ou alguma saída política clara.
Mas porque está ali o que nos pode salvar de todas as crises, de todas as calamidades que nos podem atingir. Está ali o valor do humanismo. A generosidade, a dádiva, o amor, a entrega. E enquanto houver locais assim, do Norte a Sul do país, resistimos à depressão; não estamos acabados.
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